Em novembro do ano passado, a plataforma de streaming Spotify anunciou mudanças para 2024 em sua forma de distribuir a arrecadação para com os seus artistas agregados e já se encontram em vigor. Com isso, impôs um mínimo de 1000 streams (execuções) anuais no ano anterior para que, só assim, um artista possa começar a receber pela plataforma neste ano, ideia essa também apoiada pela Deezer e Universal. O problema é que, de acordo com dados da Consultoria Luminate, das 160 milhões de tracks disponibilizadas na plataforma, 158,6 milhões delas não conseguiram atingir 1000 reproduções anuais.
Outras restrições estão em discussão como a imposição sobre a duração de uma faixa, que deverá ter acima de 2 minutos e, ainda, um número mínimo de ouvintes únicos por mês, que poderá ser de mil. O que acontece é que, segundo relatório anual da Charmetric, a maioria avassaladora, 81% dos artistas da plataforma, não alcança 1000 ouvintes mensais.
Com a justificativa de combater estratégias fakes ou de “espertalhões” que buscam se beneficiar com a plataforma, uma delas é o recurso das tracks(faixas) que executam sons de natureza, por exemplo: chuva, vento, ondas do mar, pássaros etc…, inclusive, propositalmente divididas em inúmeras pequenas faixas, porém, quase sempre com transições entre elas imperceptíveis ao público por causa da suavidade dos sons – a plataforma afirma que essas produções arrecadam muito com essas micro execuções de baixo custo de produção, desfavorecendo aos “verdadeiros” artistas, que gastam muito com suas produções para disponibilizarem suas obras com qualidade ao público.
É claro que, qualquer que tente se beneficiar da obra alheia, deve ser banido ou impedido de participar da distribuição de royalties de algo em que não teve parte na criação ou produção e, para isso, deve-se cobrar rigor e veemência, principalmente, das entidades fiscalizadoras de direitos autorais, sua atuação e punição ao não cumprimento das atividades nas quais atuam, mas que parecem aparecer no cenário apenas para arrecadar receita de seus associados sem, também, saber como repassá-la a quem de direito.
Em relação aos sons de natureza ou até sobre os ruídos brancos, algo soa como item de desculpa no rol de medidas do Spotify por não criar valores específicos de pagamento para este ou outros segmentos se isso lhe incomoda em seu critério de avaliação daquilo que, para ele, seria uma produção válida, a comprovação de como ela foi feita e sua definição de o que é música. Por que não valorizar mais o artista ao invés de usar como uma das justificativas o direcionamento de tantos royalties para os sons da natureza?
Sem querer entrar no mérito da definição de “ruído branco” ou para os sons da natureza, utilizados, inclusive, por terapeutas e pessoas, de forma geral, como tratamento e relaxamento, respectivamente, mas cabe a reflexão sobre a definição de o que é música e, principalmente, se o que está sendo produzido hoje em dia o é. De que talvez ela seja o ruído ao invés do lindo som da natureza que sempre foi música aos nossos ouvidos e a buscamos dependendo do nosso estado de espírito, inclusive ao silêncio, assim como o fazemos ao escutar determinado gênero musical em um dia qualquer.
É refletir sobre quantos milhões de artistas, principalmente, a grande maioria, os independentes, estarão de fora das distribuições das plataformas por não conseguirem alcançar uma quantidade x de plays ou ouvintes únicos quando eles mais precisam de apoio para estarem disponíveis e dedicados à construção do seu público. É refletir sobre a real intenção por trás de medidas cada vez mais desvalorizadoras, mascaradas pelo discurso de proteção ao artista, quando o que vemos é o vislumbre pelo lucro dos artistas em evidência, repletos de números, para que as plataformas tenham… mais e mais números cifrados.
Fonte de pesquisa: UBC – União Brasileira de Compositores
Ótima reflexão. Entretanto, um assunto muito complexo em razão das mudanças digitais que impactaram o mundo fonográfico da música e que ainda cria varias zonas cinzentas na sua regulamentação..